segunda-feira, 25 de maio de 2009

5 - Lisboa 1995

Quando Beatriz fechou a porta, Bernardo, enquanto num acto de fúria bate com os punhos na secretária, quase aos berros diz: ‘Malditas! Tal mãe, tal filha. Duas inúteis! ‘

Estava sentado à secretária, na cadeira de António Augusto, marido de Beatriz. Não tinha sido fácil chegar àquela cadeira. Lembrava-se bem do dia em que chegou aquele escritório. Rapaz do interior, de uma aldeia perdida entre a Covilhã e o Fundão. Só com a bolsa de estudo da Gulbenkian tinha sido possível ir para Lisboa tirar o curso.

Aluno exemplar, entre os melhores do curso, não foi difícil conseguir estágio. Foi parar ao escritório de António Augusto por acaso. Estava ele no último ano do curso, quando um professor lhe perguntou se ele já tinha em vista onde estagiar.

Respondeu-lhe que não, até porque era assunto em que ainda não tinha pensado. Foi aí que o professor lhe propôs o escritório de Advogados Vieira de Abrantes e Associados.

Bernardo não era dado a noitadas nem a excentricidades. A sua vida em Lisboa, até então tinha sido entre a universidade e a residência universitária, onde vivia. Com a namorada encontrava-se nas cantinas ou nos fins-de-semana em que não iam à terra.

Maria Rosa e Bernardo conheciam-se desde sempre. Maria Rosa era filha do caseiro de uma quinta perto da casa de Bernardo e tinham, em conjunto grandes planos para o futuro. Maria Rosa estudava também em Lisboa. Cursava germânicas na Universidade de Letras.

O lugar predilecto para se encontrarem era o jardim da Gulbenkian. Diziam que era o jardim do ‘padrinho’ deles, pois era graças a bolsas de estudos da fundação com o nome dele que estavam a estudar em Lisboa.

Quando partiram de Alpedrinha tinham grandes planos. Voltar com os cursos, ele abrir um escritório em Seia e ela arranjar uma colocação como professora numa escola da zona.

Deslumbraram-se com Lisboa e esse deslumbramento fez-lhes crescer a ambição. Agora, quase na hora de regressar, já não queriam. Ficar em Lisboa passara a fazer parte dos planos deles. Maria Rosa ainda tinha pelo menos mais dois anos de curso e Bernardo o estágio para fazer. Até lá nada mudaria.

Para a entrevista com o Dr. Abrantes, vestiu o fato, o único que tinha e que tinha sido presente dos pais para a imposição de insígnias.

Foi recebido pela secretária que lhe pediu que aguardasse. Mal entrou no edifício sentiu-se num outro mundo, num mundo que não era o seu, mas que logo o ambicionou para si. Em poucos segundos as suas certezas mudaram. Era aquilo que queria para ele.

Recorda agora, que quando se viu em frente do Dr. Abrantes, sentiu-se mal. Mesmo com o fato novo, a melhor roupa que tinha, sentiu-se um maltrapilho.

Sorri enquanto se lembra do fato cinza rato que o pai lhe ofereceu para a imposição de insígnias. ‘Rapaz, não há dinheiro para trajes. Eu e tua mãe mandamos fazer um fato no alfaiate em Seia e é a nossas prenda de curso. Assim também já ficas com um fato para quando fores trabalhar’

Ao contrário da imagem que ele tinha dos advogados de nome, o Dr. Abrantes era um homem ainda novo. Teria passado há pouco a barreira dos cinquenta. Comparado com os professores, advogados de renome, que ele conhecera na universidade, era ainda uma criança.

Tinha um ar sereno e era um homem muito bem parecido, era muito simpático e depressa Bernardo se sentiu confortável na sua presença.

Logo na primeira entrevista, tudo ficou acordado.

A vida de Bernardo, desde que passou a porta de entrada daquele escritório, ficou virada ao contrário. Os seus planos com Maria Rosa deixaram de fazer sentido e a sua ambição crescia a cada dia. Tornou-se um workholick. A relação com Maria rosa começou a ressentir-se e as discussões eram frequentes.

O Dr. Abrantes era o seu ídolo. Tudo que ele fazia, tudo que ele dizia eram lei. Bernardo tentava imitá-lo em tudo. O seu sonho passou a ser só um: ocupar aquela cadeira onde ele agora se sentava.

Um dia Beatriz foi ao escritório. Coisa rara, tão rara que Bernardo só a conhecia de nome. Na passagem do seu gabinete para o de António ao olhar para a porta vê chegar uma senhora muito bem parecida. Ouviu Sónia chamar-lhe de Beatriz. ‘É esta então a mulher do doutor! ‘, Pensou. Abrandou o passo e ao passar por Sónia parou. Fixou o olhar em Beatriz e ficou a olhar para ela. ‘Que mulher! ‘, Pensou. Ficou pasmado a olhar para ela. Perfeita!

Voltou à realidade com Sónia: ‘Sim, Dr. Bernardo, que deseja? ‘

Bernardo ia dando uma desculpa, sem tirar os olhos de Beatriz, que habituada a situações destas, cortou o gelo com: ‘Boa tarde, eu sou a Beatriz Vieira de Abrantes, esposa de António Vieira de Abrantes. E o senhor é…? ‘

‘Bernardo Homem de Sousa. Muito prazer. ‘

Entretanto António apareceu à porta do gabinete e:

‘Beatriz, minha querida por aqui? ‘

‘Olá António Augusto. Aconteceu uma coisa muito grave com a Maria! ‘

‘Com Maria!? Mas ainda ontem falei com ela e estava tudo bem! ‘

‘Isso e porque você que é um coração de manteiga! Ela quer ir viver com aquele namorado músico. Aquele que tem uma crista! ‘

António Augusto esboçou um sorriso, enquanto pegava no braço de Beatriz e: ‘Vamos para o meu gabinete. Lá estamos mais à vontade.’

Bernardo ficou parado no mesmo sítio onde estava desde que parara em frente de Beatriz. Limitara-se a rodar em torno dos pés para acompanhar Beatriz com o olhar até ela desaparecer atrás da porta do gabinete de António.

Beatriz passou a ir com mais frequência ao escritório. Sempre que lá aprecia Bernardo fazia por se fazer mostrado e da parte de Beatriz também se notava que ela o procurava.

Cada vez se sentiam mais atraídos um pelo outro. Bernardo andava pensativo.

Maria Rosa começou a perceber que algo se passava. Ele estava distante, implicava com coisas até então secundárias para ele, tais como os decotes, o comprimento das saias, o cabelo.

Sem se aperceber bernardo comparava todas as mulheres a Beatriz. Ela era a mulher perfeita. Nunca tão grande atracção tinha sentido por alguém como sentia por Beatriz.

Numa das visitas ao escritório, Beatriz convidou Bernardo para jantar. Bernardo não aceitou de imediato, mas depois da insistência de António Augusto, acabou por aceitar.

Ficou eufórico, perdido. Estava num sino. Ia jantar a casa de António Augusto. Estava também com receio, receio de não se mostrar à altura. Ele, um serrano, filho de um pastor e de uma queijeira, ia jantar a casa de um dos mais prestigiados advogados de Lisboa.

O jantar foi marcado para as oito horas daquele dia. Bernardo vestiu o seu fato preferido. Sim, agora já não tinha só o fato que os pais lhe haviam oferecido. Com o primeiro salário, de estagiário, tinha comprado dois fatos. Por sorte tinha coincidido com uma época de promoções e tinha conseguido comprar dois fatos de um corte mais moderno.

No caminho para casa parara no centro comercial e comprara uma gravata nova. A ocasião justificava tal extravagância.

Foi um jantar agradável a quatro: António Augusto, Beatriz, Toninha e Bernardo. Foi o princípio de uma nova fase na vida de Bernardo. Àquele jantar muitos outros se seguiram.

O jogo de sedução entre Bernardo e Beatriz era cada vez maior.

Bernardo cada vez mais conquistava a confiança da família. Era visita habitual da casa dos Vieira de Abrantes e passou a passou a acompanhar Beatriz a alguns eventos, que Beatriz adorava, mas que António Augusto abominava, simplesmente. Tinham tudo para se tornarem amantes, Beatriz e Bernardo. Todas as cartas estavam a seu favor. Atracção mutua, ambição de Bernardo e a loucura de Beatriz. Os encontros entre eles eram cada vez mais assíduos. António Augusto de nada se apercebia, ou não queria aperceber. Beatriz andava feliz, não o incomodava com as suas futilidades. Para ele era suficiente. Bernardo, esse andava nas nuvens. António Augusto tinha-o contratado depois de alguns sucessos em tribunal e Beatriz presenteava-o com coisas roupas, perfumes e relógios caros. Coisa que ele, quando viva em Alpedrinha e fazia planos para o futuro não incluía, simplesmente porque não sabia que existiam!

Começava a deixar de haver espaço para Maria Rosa, que sofria em silêncio.