quinta-feira, 21 de maio de 2009

4 – Lisboa

Beatriz desliga o telefone e olha para Bernardo com um ar irritado.

- Não consegui que ela me dissesse onde está. Não sei qual é a ideia dela, Bernardo. Acha qua o facto de ter fugido pode interferir nos nossos planos?

- Beatriz, que incompetência da sua parte! Como é que não lhe arrancou essa informação? É claro que precisamos da Maria. Ainda há coisa para assinar e aquele negócio do Manet ainda pode ser posto em causa.

- Bernardo, desculpe, eu... - Beatriz calou-se. Bernardo olhava para ela com aquele olhar fulminante que tão bem conhecia. Não adiantava qualquer justificação.

- Saia Beatriz. Vou pensar o que se pode fazer...

Beatriz prepara-se já para sair quando Bernardo volta a interpelá-la.

- Beatriz, está a pensar sair de Lisboa?

- Estou de partida para o Algarve, já lhe tinha dito. De qualquer forma se achar que posso ser útil aqui, posso adiar a minha viagem por uns dias…

- Fique. Posso precisar de si. É fundamental para nós que encontremos a Maria. Ela tem que regressar a Lisboa, nem que seja à força. Como sabe, a Beatriz pode ser o único elo de ligação entre nós. Tem alguma ideia sobre a localização da sua filha?

- Não, não tenho. Se tivesse já lhe tinha dito. A Maria quase nunca viajou sozinha desde que se casou consigo e nesse período foi sempre o Bernardo quem decidiu os destinos e marcou as viagens. Por acaso sabe qual a cidade preferida da Maria?

- Não, isso nunca me interessou particularmente…

- Nem a mim. Agora talvez estejamos a pagar por isso.

- Talvez tenha razão. Vou pensar numa forma de agir. Pode ir Beatriz.

Beatriz retira-se sem dizer mais nada. Detesta que as coisas corram mal com Bernardo, sabia que ficaria a perder. Ele é um será arrogante e desprezível, mas, por enquanto está totalmente dependente dele. Não tinha sido possível obter qualquer pista sobre a localização de Maria, nem sequer havia qualquer ruído de fundo durante o telefonema que permitisse identificar em que país estaria. “Ultimamente, Maria não tem viajado sozinha, está muito debilitada. Deve ter pedido a ajuda de alguém, aliás, não me pareceu que estivesse sozinha...” - pensou. “Que chatice, devia ter dito isto ao Bernardo, assim não ficaria tão mal vista”.

Aos 62 anos, Beatriz é uma mulher esbelta e ainda conserva alguns traços de jovialidade e bom gosto que permitem adivinhar ter sido muito apreciada pelos homens e invejada por outras mulheres. Apesar da sua idade ainda hoje causa impacto nos locais que frequenta e mesmo mulheres mais novas vêem-se muitas vezes ofuscadas com a sua presença. Nascida no seio de família abastada de Lisboa, os seus objectivos de vida sempre se limitaram a ter dinheiro e marido rico. Não tinha muito jeito para os estudos e curso superior foi coisa que nunca fez nem quis fazer. Gostava de se divertir e o seu pai, que lhe achava muito graça nunca lhe faltou com dinheiro para todas as suas extravagâncias. Vivia de festa em festa na Lisboa boémia dos anos sessenta e fazia-se acompanhar pelos jovens mais pretendidos de então, causando inveja nas suas amigas e nas mulheres em geral.

Foi numa destas festas que conheceu António Augusto, um jovem advogado a viver na altura em Santarém mas a trabalhar num reputado escritório da capital. Apesar de muito inteligente, António Augusto era extremamente desajeitado com as mulheres. Envergonhava-se de tal forma que quase não conseguia manter uma conversa por mais trivial que fosse. Ao ver Beatriz pela primeira vez António Augusto ficou deslumbrado mas não conseguiu dirigir-lhe nem palavra e foi motivo de chacota entre os seus amigos, mais boémios e aventureiros. Apaixonaram-se, ele pela beleza dela, ela pelo dinheiro e carreira dele.

Casaram um ano mais tarde com a pompa e circunstância exigidas pelas famílias. O casamento foi correndo dentro dos padrões da alta sociedade da altura e o nascimento de Maria da Graça e Maria Antónia, atenuaram por uns bons anos as diferenças entre os dois.

As duas crianças crescem no seio de uma família aparentemente feliz, embora o pai acabe por estar mais presente que a mãe. Beatriz nunca deixou a sua vida boémia e os seus hábitos quotidianos não incluíam passar tempo com Maria e Toninha. Pelo contrário, António Augusto, cuja carreira como advogado se consolidou de tal forma que lhe permitiu criar uma firma própria, sempre encontrou tempo para estar com as filhas. Tinha uma afinidade particular com Maria, que embora se parecesse fisicamente com Beatriz, tinha personalidade muito mais próxima da sua. Toninha, por outro lado era como a mãe, preocupava-se unicamente com a aparência, quando foi para a escola queria sempre ter o vestido mais bonito da turma. Embora com estas diferenças, António Augusto nunca fez qualquer distinção entre as duas filhas. Pelo menos até que fossem adultas e começassem a fazer as suas opções de vida.

Quando as meninas cresceram e saíram de casa já não existia afinidade alguma entre o casal. António Augusto passou a viver exclusivamente para o trabalho e Beatriz para as festas. Uma vez que já não era preciso manter aparências dentro de casa, passaram a dormir em quatros separados e a incompatibilidade de horários era tal, que quase nem se cruzavam. Esta situação era a mais conveniente para os dois. Saíam juntos para alguns eventos sociais aos quais António Augusto não podia faltar devido às suas obrigações profissionais.

Ao morrer de ataque cardíaco no início do ano, António Augusto, deixa uma fortuna considerável à mulher e filhas mas com administração de Bernardo o seu genro de confiança. Mãe e filhas vêem-se, desta forma, totalmente dependentes de um homem ganancioso cujo único objectivo é ficar com todo o dinheiro e bens para si.