quarta-feira, 13 de maio de 2009

3- Paris (I)

7h30m, toca o despertador. Rodrigo acorda estremunhado a tentar perceber onde está. Está vestido e no sofá!

Logo lhe vêm à memória os acontecimentos de véspera. Apressou-se a desligar o despertador. Maria dormia no quarto ao lado. Não a queria acordar.Levantou-se e espreitou pela porta do quarto entreaberta. Maria dormia. O mesmo ar sereno de sempre. Continuava na mesma. Ao contrário de Rodrigo para quem uma simples preocupação eram motivo para uma noite sem dormir, ainda estava para vir problema que tirasse o sono a Maria.

Em Londres, quando acabou a relação com Mike, como sempre, Maria foi chorar no ombro de Rodrigo. Depois de chorar 'baba e ranho', adormeceu com a cabeça no colo dele. Resultado, uma noite em claro para Rodrigo enquanto Maria dormia a sono solto. Para ele não tinha sido sacrifício nenhum. Poderia tê-la tido a vida inteira no colo dele.

Nunca se cansaria. Assim como agora. Que ela não acordasse, que ele ficaria ao alto junto à porta a vê-la dormir.

Encostou a porta e foi para a cozinha preparar o pequeno almoço. Maria podia acordar a qualquer momento e, conhecendo-a como conhecia, acordaria cheia de fome.

Pôs café a fazer, telefonou para a porteira a pedir pão, queijo, leite e fruta e foi tomar banho.

-Bonjour monsieur. Comment ça va?

Rodrigo, que entretanto tinha ido para o computador ler os emails ao ouvir a voz de Maria, virou-se com um sorriso e respondeu:

-Como está a princesa? Dormiu bem?

-Muito bem, mas acordei cheia de fome.- respondeu Maria, enquanto caminhava na direcção da mesa que entretanto estava posta com um farto pequeno almoço.

-Não te esqueceste dos meus hábitos- continuou enquanto punha sumo de laranja num copo, - sumo, flocos e fruta… marveilleuse!'

-Pois, faz-se o que se pode. Temos de cativar os nossos hospedes!', disse Rodrigo em tom de brincadeira.

-Falando sério, como estás?- Rodrigo sabia que Maria não era de falar no momento, mas que passada crise ela tinha necessidade de falar.

-Estou melhor. A almofada sempre foi a minha melhor conselheira. A minha vida está virada do avesso! Todos me desiludiram…

'… mas e o Bernardo? Deixaste-o?- perguntou Rodrigo.

-Mais ou menos. Desde que o meu pai morreu a minha vida deixou de ter jeito!

-É uma longa história, a do Bernardo…-respondeu com um ar pensativo …saiu melhor que a encomenda!

-Mas não era o homem de confiança do teu pai?

-Pois aí é que está. Enquanto o meu pai foi vivo, ele conseguiu manter máscara e era o marido mais charmoso, o advogado mais competente. Tudo que ele fazia ou dizia era lei. Eu nunca tinha razão. Eu é que tinha mau feitio. Conseguiu convencer o meu pai de que eu não devia trabalhar, cortou-me o contacto com algumas pessoas e controlava todos os meus passos! As minhas roupas eram controladas por ele… Há três anos fomos convidados para o casamento da minha amiga Carlota Avilez, lembras-te dela?

-Sim, lembro, aquela tua amiga morena de Portalegre, que passou uns dias contigo em Londres quando lá vivíamos...-respondeu Rodrigo

-… Sim, é essa. Nós éramos as melhores amigas. Eles nunca se deram! Ela sempre me disse que ele não era boa peça e ele sempre disse que ela era uma fútil e que era uma má companhia. E quando ela casou foi lá a casa convidar-me para madrinha. Ele ficou furioso, mas na frente deles, deu os parabéns, disse que sim, que íamos. Na frente do noivo pôs-se a falar da nossa amizade, que éramos amigas de longa data, que as amizades como a nossa eram coisa rara e, com a maior cara de pau, disse que a Carlota era a melhor amiga que alguém podia ter.

No dia do casamento, antes de sairmos de casa fez um escândalo. Implicou com a minha roupa, com os sapatos, com a Carlota… até cabra lhe chamou! Não fosse a Carlota a minha melhor amiga e eu ser a madrinha da noiva, não tinha ido ao casamento!

Ele é louco, completamente louco! Pôs o meu pai contra mim!

Ele manipulou as coisas de tal forma, que a herança do meu pai está a ser administrada por ele! Ele deu a volta à minha mãe, o que também não é difícil. Ele só me deixou sair de casa porque já tem o que quer e sabe que se eu falo ele pode ir para à cadeia!

-Nem nos meus romances!- rematou Rodrigo.

-Sabes que eu e a minha mãe nunca fomos as melhores amigas, mas desde que casei a nossa relação descambou completamente! Já não falo com a minha mãe e com a minha irmã desde que o meu pai morreu! Não fui ao funeral do meu pai. Drogou-me e fechou-me dentro de casa. Depois disse às pessoas que eu não estava bem e que não tinha ido. E fez isso mais vezes! Para dar mostras de que eu estava mal, obrigou-me a ser acompanhada por um psiquiatra amigo dele, que me estava a fazer uma medicação que me deixava completamente desorientada. Eu andava sempre a dormir em pé e nem conseguia pensar!

-E como saíste dessa?

-O marido da Carlota é médico e um dia eles foram lá a casa jantar. Eu estava num estado tal, que quase nem conseguia falar. Ele achou que algo de estranho se passava e comentou com a Carlota. Perguntou-lhe se eu tomava drogas. A Carlota disse que não, mas ficou preocupada.

Claro que ele dizia que eu tinha ficado muito debilitada com a morte do meu pai, que estava à beira de uma depressão, que estava sob o efeito de medicação…

A Carlota como nunca acreditou nele, aproveitou uma das viagens dele e foi lá a casa. Eu estava sozinha com a empregada. Fez algumas perguntas à empregada e às escondidas levou as caixas dos medicamentos para o marido. Resultado, eu estava a ser drogada. O estado em que eu estava era induzido.

-Mas qual era a ideia desse anormal?

-Fácil. Dar-me como não capaz, internar-me numa clínica e ficar com a fortuna do meu pai. O escritório já ele dirige, as partes da minha mãe e da minha irmã, ele também faz delas o que quer… desde que elas tenham dinheiro para gastar, está tudo bem com elas!

-Sim, -continuou Rodrigo, cada vez mais atónito- como saíste dessa, então?

Tocou um telemóvel, era o de Maria. Olhou para o número e, ao ver o número suspirou e disse:

-É a minha mãe! Aposto que é obra do Bernardo…

-Atende.

-Sim, olá Mãe. Onde estou não interessa. Sim, estou bem. Não, não estou em Portugal.

A expressão de Maria ia mudando à medida que ia ouvindo o que a mãe dizia. Rodrigo estava parado em frente a ela a observar as suas expressões. Sempre achara imensa graça às expressões de Maria. Ele costumava dizer que os olhos dela falavam antes de ela abrir a boca…

Maria continuava linda como naquele dia em que se conheceram e ele apaixonado desde o primeiro instante!

O que ele já não tinha sofrido por aquela mulher! E em silêncio.

Maria sempre o viu como um irmão. Como lhe doía quando ela dizia ‘o meu mano’.

Claro que por um lado tinha orgulho em ser o seu melhor amigo, da proximidade que havia entre os dois… mas o amor dele era mais forte que isso.

Quantas vezes não teve vontade de subir ao ponto mais alto de Londres e gritar: Eu amo a Maria. Maria amo-te mais que tudo. Por outro lado tinha um medo terrível de ser descoberto. Que ela se sentisse traída e que o rejeitasse. Aí nem amizade.
Quando Maria conheceu Mike, foram dias dolorosos para ele.