sexta-feira, 29 de maio de 2009

5 - Lisboa 1995 (III)

Bernardo, acomoda-se na cadeira. 'Maria Rosa! ‘.

Dois dias depois daquela cena recebeu um telefonema de Maria Rosa. Tinha urgência em falar com ele, que era um assunto do interesse dele.

Encontraram-se no jardim da Gulbenkian. Tinham marcado para as cinco da tarde.

Quando Bernardo chegou, passavam cinco minutos das cinco. Maria Rosa estava de óculos escuros. Bernardo aproximou-se e inclinou a cabeça para a beijar. Ela desviou a cara e esticou-lhe a mão:

'Boa tarde Bernardo, estás bom? ‘

'Olá Maria Rosa. Como estás? ‘, Disse ele a medo e com a voz trémula.

'Estou bem, pedi para nos encontrarmos porque há uma coisa que deves saber...' e sem rodeios Maria Rosa continuou '... Estou grávida'

Bernardo ficou paralisado em frente a ela. Começou a ver a vida dele toda a mudar de rumo. A ver-se a casar na terra com Maria Rosa, a ter de arranjar outro emprego. Beatriz nunca iria aceitar o casamento deles. Já via a seguir a esta criança, outras a virem. A viverem num apartamento na margem sul, a ter de fazer a travessia, de cacilheiro, todos os dias...

'Bernardo, estás a ouvir-me? ‘

A voz de Maria Rosa chamou-o à realidade. ‘Sim, estou-te a ouvir…’

‘…e eu tenciono ter este filho! ‘

‘E agora o que me vais dizer a seguir? Que queres casar, porque és uma rapariga decente…’

‘Pára Bernardo. Nada disso. Só vim aqui dizer-te que ias ser pai! O resto não me interessa. ‘

‘Já contou aos teus pais? ‘, perguntou Bernardo no momento em que começou a imaginar o escândalo que iria ser em Alpedrinha.

‘Não, vou este fim-de-semana a casa e vou contar tudo aos meus pais.’

‘Tudo?’

‘Sim, tudo. Vou-lhes dizer que espero um filho teu, que acabamos tudo e que vou ter este filhos…’

‘Espera lá menina. Como é que sei que o filho é meu!?’, perguntou Bernardo cinicamente. ‘Ninguém…’

Não conseguiu acabar a frase. Maria Rosa deu-lhe uma bofetada e, antes de lhe virar as costas disse: ‘Não te vou responder. Esta é pelo outro dia!’


Bernardo sentado na cadeira de António Augusto passa a mão pela cara. Ainda sente a marca dos dedos de Maria Rosa na cara. Ainda sente a humilhação daquele momento. Nunca uma mulher lhe tinha batido e muito menos esperava-o de Maria Rosa.

‘Mosca morta!’, resmunga, com a mão ainda na cara.


No fim-de-semana que se seguiu ao encontro no jardim, Bernardo foi também à terra. Ia decidido a resolver o assunto de uma vez por todas. Ia falar com o pai de Maria Rosa e dizer-lhe que queria casar com ela. Depois via-se. Talvez não fosse má ideia casar…

Entrou no autocarro e, perante o ar dela de assustado e surpreendida, sentou-se a seu lado.

‘Que fazes aqui?’, perguntou ela entre dentes.

‘Vou à minha terra, sou de Alpedrinha, lembras-te? Ou não posso?’

‘Podes, claro que podes. Estou admirada, como arranjaste tempo para ir à terra…’

‘É, tenho de ir resolver um assunto…’

‘Um assunto!? Deixa-me adivinhar: vais falar com o pai da tua antiga namorada e vais-lhe dizer que ela está grávida e que não queres casar com ela porque não tens a certeza se o filho é teu…’

‘Conheces-me mesmo mal! Achas que eu… pois desculpa o outro dia. Não foi sentido aquilo. Claro que o filho é meu.’

‘Bernardo, de uma vez por todas, eu não vou casar contigo e este filho é meu, só meu! E agora, por favor, muda de lugar. Não te quero aqui a meu lado.’

‘Não te estou reconhecer! Tu és uma sonsa. Este tempo todo a fazeres-te de santinha. Sonsa!’

Levantou-se e foi sentar-se no fundo do autocarro.

Estava decidido a levar a farsa até ao fim. No Domingo no fim da missa esperou pela família de Maria Rosa à porta da igreja e comunicou-lhes que queria juntar as duas famílias, pois tinha um assunto para tratar com eles.

‘Claro meu rapaz. Aparece mais os teus pais lá em casa depois do almoço. Para almoçar já é tarde e jantar não dá, mas pronto lanchamos e falamos.’

Maria Rosa era a única ausente. Tinha ficado em casa. Estava indisposta e não tinha ido à missa.

As duas famílias cumprimentaram-se com abraços apertados a antever o motivo da reunião. O anuncio do casamento dos seus filhos. Só podia ser isso…

Assim foi. Depois de almoço, Bernardo vestiu um fato e pôs uma gravata de seda de que gostava particularmente. Tinha sido um dos presentes mais recentes de Beatriz. Sentia-se poderoso com ela. Era de uma marca italiana cara e era a gravata que usava naquele noite em que pela primeira vez se sentiu um verdadeiro homem. Aquela noite inevitavelmente tinha marcado o poento de viragem da vida dele. Jamais a esqueceria. Para ele tinha sido naquela noite que perdera a virgindade e não naquele distante dia de verão com Maria Rosa…

Quando Maria Rosa abriu a porta e viu Bernardo ficou se respiração. Conteve-se quando viu os pais de Bernardo atrás dele com um sorriso de orelha a orelha.

Cumprimentou Bernardo como era a habitual e logo se apressou a cumprimentar os ‘futuros sogros’.

Havia uma mesa posta para o lanche.

Bernardo sentia-se desconfortável e não era o assunto da visita que o punha assim, mas o ambiente. Sentia que já não pertencia ali. ‘Que pobreza!’, era o que pensava. Tudo lhe parecia mal, tudo lhe parecia ridículo. Só queria tratar do assunto e desaparecer. Preocupava-o ter de conviver com aquela gente por para ávida toda, mas havia de pensar numa forma de resolver essa parte. Agora só tinha mesmo era de sair dali, mas depois de resolver o problema. E antes que outras conversas, começou.

‘Bom, o motivo que me traz aqui é o mais esperado e obvio…’ fez uma pausa para procurar Maria Rosa, que estava sentada em frente a ele ao lado da mãe. ‘…eu e a Maria Rosa queremos casar. Achamos que já é altura certa. Ela…’

‘… ela não quer casar contigo!’ , interrompeu Maria Rosa. E continuou: ‘ Ele só quer casar comigo porque eu estou grávida e tem remorsos porque me andou a trair!’ E perante o olhar incrédulo de todos continuou: ‘Andou a trair-me com a mulher do patrão, uma mulher que podia ser mãe dele!’

O ar de espanto generalizou-se nas pessoas da sala. Bernardo, por incrível que parecesse, sentia-se aliviado com as palavras de Maria Rosa. Com o ar mais cândido deste mundo, disse: ‘Ó meu amor, tínhamos combinado que este seria o nosso segredo, que não havia necessidade de te expores desta forma!’ E continuou. ‘Ela tem andado muito nervosa com esta questão da gravidez. Como pessoas católicas que somos, sentimo-nos mal com o sucedido, mas está, está… e também não é assim nada de tão grave…a final mais tarde ou mais cedo íamos casar. É só o antecipar das coisas!’

Maria Rosa chorava compulsivamente, enquanto era reconfortada pela mãe que ia dizendo: ‘Ó filha, não te martirizes. Nós estamos aqui para vos apoiar. Ninguém precisa de saber, mas a nós podias ter dito. Nós somos teus pais…’

‘Ó Mãe,…’, Maria rosa não conseguia falar que não fosse aos soluços, …’ mas eu não quero casar. Ele anda a fazer coisas horríveis…’. E sem dizer mais nada levantou-se e refugiou-se no quarto.


Enquanto muda de posição na cadeira, Bernardo, recorda como foram as coisas depois desse dia.


Ele voltou para Lisboa e Maria Rosa ficou na terra. Não houve casamento. Ninguém conseguiu convencer Maria Rosa. Quanto a ele, manteve sempre a sua posição e sempre ia insistindo no casamento e cada nega de Maria Rosa soava-lhe a uma vitória.

Soube que Maria Rosa voltou para Lisboa uns meses mais tarde, quando a barriga se começou a notar. Era para evitar o falatório da aldeia. Tinham decidido que Maria Rosa ficaria em Lisboa onde nasceria o filho. Ficaria a viver com Rosalina, a sua antiga colega de quarto na residência universitária.

Mesmo assim o falatório na aldeia não se evitou. ‘A Maria Rosa estava grávida e tinha-se recusado a casar com o Bernardinho’. ‘Se calhar o filho não é dele, é por isso. Estas raparigas vão para Lisboa, apanham a rédea solta e é isto! Coitado do Bernardinho, pediu-a em casamento e tudo e ela não aceitou… é porque tem outro em Lisboa… até está para lá!’.

E foi assim que todos ficaram do lado de Bernardo.


Bernardo é chamado ao presente com o toque do telemóvel. Endireita-se na cadeira, como se o pudessem ver, ajusta o nó da gravata e atende.