terça-feira, 2 de dezembro de 2008

2 - Fugi... (III)

-...eu moro naquele prédio, disse Rodrigo apontando para um edifício virado para a Torre Eiffel.- E tu?- continuou - Que fazes aqui?
-Não sei, quer dizer, vim para o hotel, aliás vim procurar um hotel...
-Maria, que se passa contigo?- perguntou Rodrigo, segurando-lhe nos ombros, e olhando-a nos olhos.
-Rodrigo, não faças perguntas, não estou em condições de responder... preciso de um banho e de uma cama, tenho de ir para o hotel.
-Mas que hotel, Maria!? Para ali para o Hilton? Não estou a ver mais nenhum por aqui!
Maria desatou num choro e caiu de joelhos no chão com as mãos a tapar os olhos enquanto balbuciava:
-Meu Deus, que mal fiz eu para passar por isto? Que mal fiz eu para perder todos estes anos da minha vida?
Rodrigo, sem saber muito bem o que fazer, levanta-a, encosta-a ao seu ombro e fá-la caminhar em direcção ao seu apartamento enquanto lhe vai murmurando:- Vem comigo, eu vou-te ajudar. Esta noite ficas lá em casa e amanhã, quando já estiveres mais calma, tomas uma decisão...
E assim foi, com Maria amparada por Rodrigo, caminharam os dois em direcção à casa de Rodrigo.
Quando chegaram, Maria já estava mais calma. Tomou um banho quente, e bebeu uma chávena de chá bem quente que Rodrigo entretanto havia preparado.
Já mais calma, começou a falar... precisava, apesar de querer cortar com o pasado, precisava de falar... talvez assim conseguisse fechá-lo!
-A minha vida está um caos! Perdi o meu pai, a pessoa que eu mais amava neste mundo, a minha mãe afastou-se, separei-me... estou só, completamente só, sem saber o que fazer e para onde ir. Não tenho nada, nem ninguém... perdi tudo e todos... tudo que tenho está naquela mala!
Limpando as lágrimas com as costas da mão, continua, ao mesmo tempo que levanta a cabeça:-Mas eu sou forte, vou dar a volta por cima! Obrigada Rodrigo, por tudo. Não quero incomodar, ser um transtorno para mais ninguém... amanhã vou embora... obrigada por me deixares ficar aqui esta noite... continuas a ser um bom amigo!

domingo, 12 de outubro de 2008

2 - Fugi... (II)

O táxi chega à Torre Eiffel. É o fim daquela viagem. Mas que viagem? O que é que lhe está a acontecer?
Maria sai do táxi. Precisa de ar...
Um vento gélido de Outono bate-lhe no rosto e chama-a à razão. Maria acorda daquele torpor que a invadiu desde que saiu do apartamento de Lisboa.
O encontro com Rodrigo não lha saia da cabeça. Estava em Paris, sozinha. Onde estavam os seus amigos? O seu casamento tinha-a afastado dos amigos. Viveu para o marido, isolou-se. Nos meses após o casamento ainda manteve alguns contactos, mas depois tudo isso acabou. Dedicou-se àquele que pensava ser o homem da sua vida. "-Mas que pensamento mais ultrapassado. O homem da minha vida..." - pensou ao olhar para a Torre Eiffel.
"-Nem filhos tive. Queria tanto tê-los tido. Dois, três, muitos." - não, Maria não tinha tido nem um filho. O que era agora seu ex-marido nunca quis ter filhos. Era cedo, eram novos. Queria viver a vida. E viveu. Ela sim, Maria não... Maria morreu naquele casamento. E era assim que se sentia, morta.
"-Hotel, preciso de um hotel. Mas qual? Tenho frio, preciso de um banho, estou exausta."
- Maria - alguém a chama.
Maria vira-se e a sua expressão transforma-se.
- Rodrigo! Também estás aqui?

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

2 - Fugi... (I)

Mecânicamente, Maria segue os outros passageiros até ao terminal de recolha de bagagem.

Enquanto esperava pela sua mala, uma voz a chama:
-...Maria
Vira-se e...
-Rodrigo! Que fazes aqui?-pergunta, admirada.
-Eu, é que pergunto o que fazes aqui. Eu vivo em Paris há muito tempo, já te esqueceste?
-Pois é, que pergunta! Eu? ...eu fugi!
-Fugiste?!
-Sim fugi...-respondeu com uma voz distante.
-Mas de quem?.. de quê?
-De ninguém! Fugi...
Ao olhar para a cara de confuso de Rodrigo e antes que ele fizesse mais perguntas, continuou:
-... fugi do passado...
Aquela resposta fê-la como que acordar. Sim, só podia fugir do passado! As pessoas, essas já há muito tinham 'fugido' dela! Amigos, família...
-Maria, estás-me a ouvir? Que se passa?
-Sim,-respondeu, pestanejando com força, como que apagando a imagem que se ia formando na sua mente-estou a ouvir-te! Mas que foste fazer a Portugal? Foste de férias?
-Maria, que se passa? Estás pálida!
-Não é nada, fico sempre assim quando voo... é de estar muito tempo parada!
A sua mala surge no tapete, como que a salvando de mais explicações:
-A minha mala!-exclama com uma satisfação forçada. E continua, enquanto pega na mala:
-Gostei muito de te ver, mas agora estou com pressa, já estou atrasada. Vemo-nos por aí! Paris é grande, mas o Mundo é pequeno!-Remata com um sorriso nervoso e, sem dar qualquer hipótese a Rodrigo, dá-lhe dois beijos, e quase em passo de corrida, dirigiu-se para a porta... como que a fugir!
Chegou ao terminal de táxis, dirigiu-se para a fila à espera da sua vez.

Enquanto esperava, recordava o episódio com Rodrigo.
Mas que se passava com ela? Mais uma vez a fugir, em menos de vinte e quatro horas tinha sido brusca com as pessoas... tudo o que ela, a Maria, não era!
Chegou o táxi, entrou e lembrou-se então que não tinha para onde ir!
Oh, meu Deus, que faço agora? Olha para o taxista que aguarda pela resposta que ela não tem e diz:
-Torre Eiffel, s'il vous plait.
-Oui Madame.

Na memória tinha agora o encontro com Rodrigo. Não pela pessoa, mas pela atitude dela! O Rodrigo era um amigo de longa data. Já não o via há muito tempo... desde solteira, provavelmente, mas era um bom amigo, daqueles que quando os encontramos depois de muito tempo, temos a sensação que não nos vimos desde o dia anterior!
Como ele se apercebeu que ela não estava bem!
Mas o que se passa comigo? -pergunta a si própria baixinho ao mesmo tempo que olha pela janela e se apercebe que já percorreu metade do caminho.

E agora?

sábado, 9 de agosto de 2008

1 - Fazer as malas (IV)

No táxi a caminho do aeroporto, Maria despede-de de Lisboa.
Lisboa sempre foi a sua cidade. Viajou pelo mundo inteiro e até estudou em Londres, por capricho do pai. Fez História da Arte, um curso indicado para meninas ricas cujo futuro é apenas casar com um "bom partido", mas que convém terem alguma cultura para socializarem nas festas. Esta foi a única vez que Maria esteve contra uma decisão de seu pai António Augusto.
Paris, Nova Iorque, Milão são locais que visita regularmente, mas Lisboa sempre foi a sua cidade.
Maria pensa - "Quando vou voltar? Que falta me vai fazer a luz de Lisboa"

O táxi chega ao terminal do aeroporto e Maria nem dá por isso. O taxista diz o preço com a antipatia que caracteriza os taxistas em Lisboa. Paga sem se aperceber da quantia. Não é isso que lhe importa. Naquele momento ela só pensa que vai viajar quase obrigada. Obrigada por uma sociedade que a critica pela opção que tomou. Afinal, que mais poderia ela querer? Um marido de famílias tão importantes como a sua. Dinheiro, viagens, luxo, festas...

Ao descolar no conforto da classe executiva da TAP, não consegue conter uma lágrima.

- Senhores passageiros, dentro de momentos aterraremos no aeroporto Charles de Gaulle em Paris. Pedimos que ser conservem sentados, com os cintos de segurança apertados até que o avião esteja complemente imobilizado e o sinal de "apertar cintos" desligado...

Maria acorda de um torpor de duas horas e meia.

"Cheguei a Paris. O que vai ser de mim"

domingo, 27 de julho de 2008

1 - Fazer as malas (III)

Enquanto se dirigia para a porta, pensava:' Não muda mesmo, sempre a quebrar os compromissos!... e se não é ele, quem será... a minha mãe?... mas ela está no Algarve com o marido e a minha irmã!... Ah, às tantas é....'.
Nesse exacto momento abre a porta e dá de caras com D. Rosa, a vizinha do segundo andar. Respirou de alívio e as primeiras palavras que lhe saíram foram:
-Ah, é a D. Rosa...
E antes que a mulher dissesse algo, Maria continuou
-...Desculpe, pensei que era outra pessoa.. .é que estou de saída e pensei que era a minha boleia para o aeroporto!
-Ah, vai viajar, D. Maria... por quanto tempo?
-Para sempre! Respondeu Maria bruscamente, por um lado tentando que a vizinha não fizesse mais perguntas e por outro tentando convencer-se de que jamais voltaria aquela casa!
-E agora vai-me desculpar, D. Rosa, mas é que a minha boleia está atrasada e vou ter de lhe ligar para perguntar o que se passa!
E ao mesmo tempo que dizia estas palavras, empurrava a mulher para a parte de fora do apartamento com uma mão ao mesmo tempo que ia fechando a porta com a outra.
Quando fechou a porta, sentiu-se mal! Nunca tinha sido Assim! Brusca, irónica, mal educada!... e se a mulher estivesse com algum problema e precisasse de ajuda?! Estava a ser egoísta. Não era só ela quem tinha problemas neste mundo!
Não, de uma vez por todas tinha de ir embora e era já!
Pegou no telemóvel, marcou o número do rádio táxi e pediu um táxi para a levar ao aeroporto.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

1 - Fazer as malas (II)

A avó Maria das Dores, mulher mais sisuda e menos dada a manifestações de afecto, tinha sido um exemplo de mulher para Maria. A vitalidade com que comandava os trabalhos da grande casa da quinta e a dedicação e respeito que tinha ao seu marido sempre a tinham impressionado. Maria recorda as lágrimas daquela mulher no dia em que o avô Sebastião morreu. Desde esse dia Maria das Dores nunca mais fora vista a chorar.
Outros tempos... pensa Maria ao olhar pela última vez para aquele espaço a que chamou quarto, para aquela casa a que chamou lar durante quase 12 anos. Não era uma mulher como a Maria das Dores que ali estava.
Com lágrimas nos olhos percorre todas as divisões da casa. Recorda momentos bons e momentos muito maus ali passados. Despede-se dolorosamente.
- Se estou livre, porque não me sinto feliz? - pensa.

A pequena mala está pronta. Maria prepara-se para sair dali. Vai para Paris uns tempos, ao menos lá estará longe de tudo e de todos.

A campainha toca. Maria acha estranho, uma vez que combinara com o ex-marido que estaria ali até as cinco e meia e são apenas cinco horas.
Com o coração aos saltos, precipita-se para a porta de entrada.

sábado, 19 de julho de 2008

1- Fazer as malas (I)

Enquanto fazia a mala, sentada na beira da cama, Maria tentava perceber como a sua vida a havia levado até ali!
Incrível como, no espaço de um ano, a sua vida dera uma volta tão grande!
A morte repentina do pai, a dor da mãe, o casamento da mãe, a zanga com a mãe e o fim do seu casamento!
O que ela estava a pôr naquela mala era o que restava de um casamento! Meia dúzia de peças de roupa, alguns livros e muita dor, mas essa não cabia na mala!

Maria tinha tido uma infância feliz, no seio de uma grande família em que 'a união era a força da família', como costumava dizer o seu avô, Sebastião!
O seu avô, Sebastião Vieira de Abrantes... que saudades! Tinha sido militar, alta patente, tinha feito comissões na Índia, Timor... e mais tarde em Angola. Apesar de militar, de austero não tinha nada... quando se juntava com os netos, na quinta em Santarém...