segunda-feira, 8 de junho de 2009

5 – Lisboa início de 1997 (V)

Enquanto Beatriz ia falando sobre as tricas da noite, Bernardo conduzia em silêncio. Estava longe dali. Interrogava-se sobre se conhecia aquele homem. Tinha quase a certeza que não. A sua memória fotográfica nunca i tinha traído. Era capaz de se lembrar de pessoas que conhecera em criança…
Bernardo, está a ouvir o que lhe estou a dizer?’.
Sim…’, respondeu Bernardo voltando ao presente.’… que disse?’
Que se passa? Não ouviu nada do que eu lhe disse desde que saímos da embaixada!
Nada… estou cansado, só isso.’
Quando chegarmos eu faço-lhe uma massagem e fica como novo!... Bernardo, Amor, você está mesmo cansado! Enganou-se no caminho… a sua casa fica para trás!’
Não, não me enganei. Eu vou levá-la a casa. Estou muito cansado. Desculpe, mas preciso mesmo de descansar!’
Mas Amor, as minhas massagens são mágicas. Você sabe disso’. Enquanto falava Beatriz ia passando a mão pelo rosto de Bernardo, que ia inclinando a cabeça para o lado da porta.
Bernardo, você está a evitar-me? Afinal que se passa?’
Nada, Beatriz! Já lhe disse que nada. Estou cansado, muito cansado e quero descansar!’
Mas está cansado de quê?’
Tinham chegado a casa de Beatriz. Como era habitual, Bernardo parou o carro, saiu e abriu a porta de Beatriz para que ela saísse. Deu o braço a Beatriz, bateu a porta e levou-a até à porta de casa. Em silêncio, esperou que Beatriz tirasse a chave da carteira.
Só uma coisa lhe invadia o pensamento: Alfredo. De onde o conhecia aquele homem?
Boa noite Bernardo.’
Mais uma vez foi chamado à realidade. Beatriz entretanto tinha encontrado a chave e despedia-se agora dele.
Boa noite Beatriz. Durma bem.’
Não me dá um beijo?’
Bernardo inclinou-se para beijar Beatriz, que num gesto rápido agarrou-lhe a gravata e beijou-o intensamente. Largou-o quando quis e entrou dentro de casa com um: ‘Sonhe comigo’
Mal se libertou de Beatriz Bernardo depois de um seco ‘Boa noite’ dirigiu-se para o carro quase em passo de corrida.
Entrou no carro, recostou-se no banco, fechou os olhos e respirou fundo. Depois de uns segundos assim, abriu os olhos, ligou o carro e arrancou a toda a velocidade em direcção a casa.
Não dormiu naquela noite. A imagem daquele homem não lhe saia da mente.
Tinha um julgamento no dia seguinte. Ia ser duro. Não podia perder… seria a primeira vez! Não podia deixar a boa fama que ia ganhando por mãos alheias. O seu nome, cada vez mais, valorizava na praça.
Mas nem tudo era mau. Quando chegou ao escritório foi informado que o julgamento por ordem do juiz havia sido adiado.
António tinha saído para um outro julgamento. Meteu-se no gabinete e depois de dar ordens à secretária para que não fosse incomodado, fechou a porta.
Tinha de decidir. E tinha pouca escolha!
As dívidas ao banco avolumavam-se a passos largos. E não via forma da situação se inverter. Beatriz tinha gostos caros e ele era orgulhoso demais para permitir que Beatriz o sustentasse!
As coisas tinham melhorado desde que António Augusto lhe passara a pagar como advogado e não como estagiário.

Bateram à porta do gabinete.
Eu já disse que…’. Não acaba a frase, pois no preciso momento em que levanta a cabeça, dá de caras com Alfredo.
‘… quem o deixou entrar?’, muda de discurso.
Sr. Doutor, não tive hipótese, este senhor…’
Não faz mal, Sónia, pode sair. Mas agora por favor. Estou mesmo ocupado, mesmo para o Dr. Abrantes…’
‘…E para a D. Beatriz.’, rematou Alfredo com ironia, perante o olhar arregalado de Sónia, a secretária.
Sónia saiu, sem mais perguntas, fechando a porta atrás de si.
Antes que Bernardo o convidasse, o homem sentou-se na cadeira em frente de Bernardo e com o mesmo à-vontade do dia anterior:
Então não me oferece uma bebida? Eu sei que ainda é cedo para beber, mas de manhã…’
Bernardo levantou-se, dirigiu-se à mesa das bebidas e sem mais comentários: ‘ Whisky, Gin, Vodka, Porto…’
Café, mesmo. Tem?’
Bernardo dirigiu-se para a porta, abriu-a e deu ordens a Sónia para que trouxesse dois cafés.
Voltou para a secretária, e num tom calmo, continuou: ‘A Sónia já traz os cafés’.
Muito bem, podemos então começar a falar de negócios. Para o ajudar a decidir trouxe-lhe isto.’. Alfredo pousou um envelope branco em cima da secretária a meio dos dois.
Bateram à porta. Era Sónia com o café. Impaciente, enquanto Sónia servia os cafés, Bernardo pegou no envelope e fixou o olhar no de Alfredo, que também o mirava com um olhar desafiador.
O telemóvel voltou a tocar. Bernardo depois de ver o número, acomodou-se na cadeira, como se pudesse ser visto e atendeu. Era da Suíça.
-Outra vez? Ainda nem há meia hora falei com ele! Não, não sei dela. Achas que ela foi porque eu quis?
… claro que sei que ela é uma peça importante. Podemos amanhã, mas eu já disse que preciso de uma semana. Sem a Maria não consigo desbloquear a verba para o transporte
… eles só mandam o quadro depois de o pagar e preciso da assinatura da Maria.
… Não, não sei dela.
… já estou a tratar disso!
… até amanhã.
Depois de desligar dirige-se à porta do gabinete e chama pela secretária:
-Mariana, pode chegar aqui, por favor?
Mariana era a secretária de Bernardo. Mariana tinha ido trabalhar para o escritório durante uma licença de maternidade de Sónia. Há muito que a relação deles já tinha passado o campo profissional.
A verdade é que Mariana era uma jovem a que poucos homens ficavam indiferentes à sua presença. Logo no primeiro dia, Bernardo se encantou com a rapariga.
Quando Sónia voltou, Mariana passou a assistente de Bernardo. Bernardo estava numa fase de grande ascensão profissional e já se justificava ter uma assistente.
Foi preciso pouco tempo para que se tornassem amantes. Do ficarem a trabalhar até mais tarde, a irem comemorar uma causa ganha, depressa as suas noites passaram a acabar num hotel ou no apartamento de Bernardo, quando não eram no sofá do gabinete, no mesmo onde ele teve noites de grande prazer com Beatriz.
Era uma relação clandestina que todos sabiam existir mas que ninguém denunciava.
Era um autêntico jogo do gato e do rato, aquela relação.
Beatriz, apesar de ter ciúmes, tratando-se para mais de uma rapariga d a idade das filhas dela, nada dizia pois para além de ser um bom disfarce para a sua relação com Bernardo, tinha medo que bernardo a deixasse definitivamente. Tinha consciência de que agora ele já não precisava tanto dela como antes. Já tinha alcançado uma posição quer social, quer profissional que lhe permitiriam sobreviver a um corte com Beatriz. Bernardo transformado num homem charmoso e elegante, capaz de encantar qualquer um.
António Augusto, apesar de reprovar a relação de Bernardo com Mariana, tinha encontrado no silêncio a forma de os manter discretos na relação. Para além disso, talvez Bernardo se cansasse de vez de Beatriz, como os demais amantes que ela tivera ao longo dos anos.
Os momentos mais complicados eram os em que Beatriz aparecia no escritório e usando do seu estatuto de esposa do patrão, fazia de Mariana uma moça de recados.
Mariana apareceu à porta do gabinete. Ao fim destes anos todos, continuava a ser uma mulher atraente. Mantinha os longos cabelos negros e o corpo dos vinte anos.
- Sim, Bernardo…
- Preciso que me telefones para as companhias de aéreas a saber para onde Maria viajou.
- Mas tu não tinhas ficado de a ir buscar?
- Pois ela tinha-me pedido que a levasse ao aeroporto, mas não me disse para onde ia. Só que me atrasei na reunião com o Alfredo e quando cheguei a casa ele já tinha saído. O pior é que preciso dela para assinar a procuração para poder receber o dinheiro da venda da quinta de Santarém.
- Pois a Beatriz e a Toninha estão controladas…
- …e a Beatriz não sabe nada?
- Não, raios partam a velha. Desde que casou com aquele Playboy ainda ficou mais estúpida!
- Tem calma, tudo se resolve. E se programássemos algo para logo? Ainda tenho no frigorífico uma garrafa de Moet et Chandon. Eu pedia o jantar e depois via-se…
- Não Mariana, hoje não estou com disposição para jantares. Estou cansado, quero dormir e…
- Já percebi tudo. É sempre assim. Não consegues ficar indiferente à Beatriz!
E. sem dar hipótese a Bernardo de responder vira-lhe costas.
Bernardo levanta-se num repente da cadeira e agarra-lhe o braço antes no momento em que ela punha a mão à porta. Empurra-a contra a porta e, quase a encostar o nariz no dela:
-Eu já te disse que a Beatriz não era para aqui chamada! Beatriz é passado…
-Ok, agora deixa-me, tenho mais que fazer…
E logo que se libertou de Bernardo, Mariana saiu porta fora, batendo-a com violência.
Bernardo voltou para a cadeira, abriu a gaveta da secretária e de debaixo de um monte de papeis tirou um envelope.O envelope que Alfredo lhe dera naquele dia.
Bernardo não queria acreditar quando abriu o envelope. Eram fotos dele com Beatriz nos momentos mais intimos.
As suas feições mudavam à medida que via as fotos, sentia-se empalidecer. As pernas tremia, as forças faltavam. Fossem ele lá quem fossem, tinham-no na mão!
Alfredo apercebeu-se do estado de fragilidade em que o deixou e perante isso:
-Presumo que já tenha decidido.
-Tenho alternativa?- perguntou Bernardo. Sentia-se um animal encurralado. Nunca assim se tinha sentido, nem mesmo quando Beatriz o ameaçava.
-Caro Dr. Sousa, … é assim que gosta que lhe chamem, não é?... continuo a dizer que a decisão está do seu lado. Mas se continuar com duvidas, temos mais dados que se podem tornar relevantes… e reveladores…
Apeteceu-lhe dar um murro a Alfredo. Aquele homem estava a deixá-lo enraivecido. Sentia o chão fugir-lhe debaixo dos pés e só tinha um caminho:
- Aceito, mas com uma condição…
-Atenção Dr. Bernardo Sousa, não creio que esteja em condições de impor condições…