segunda-feira, 6 de julho de 2009

5 - Lisboa início de 1997 (VII)


Bernardo não mais viu Alfredo naquela noite. Ficou ainda alguns minutos sentado no banco da casa da piscina. A sua cabeça estava a cem à hora: a forma como conheceu Maria, a sua beleza, o banho na piscina e para completar Alfredo ter aparecido!
Quando saiu deu de caras com Beatriz. Bastou a Bernardo olhar para ela para se aperceber que estava furiosa. Quando Beatriz arregalava os olho e tremia o lábio inferior, o melhor era fugir.
‘Já há mais de uma hora que o procuro! Que smoking é esse? E porque tem os sapatos todos molhados? E…’
‘ Olha a Sra. Dona Beatriz no seu melhor!’, eram Maria que entretanto se aproximava e sem querer perder a oportunidade de trocar ironias com a mãe.
Sem se aperceber da verdadeira razão para tal interrogatório, continuou:’ Não, ele não roubou o smoking ao seu querido António. Fui eu quem o foi buscar ao vosso quarto e lho emprestou!
Bernardo deixou-se ficar calado e quieto, enquanto as duas mulheres trocavam olhares e palavras..
‘Sabes mãezinha,’, continuou Maria, ‘Eu ia a passar e o Dr. Bernardo também. Ah, e íamos a passar junto à piscina, como a passagem é muito estreita… a Mãezinha tem de alertar a empresa de catering de que as mesas estão muito próximas da piscina… assim como cai eu e o Dr. Bernardo, podia ter sido a Mãezinha. É que eu…’
‘Chega Maria!’, interrompeu Beatriz. ‘Você só está bem a contrariar-me. Aposto que fez de propósito… e ainda por cima envolveu o Dr. Bernardo nos seus esquemas!’
‘Beatriz, desculpe, Sra. D. Beatriz…’, corrigiu Bernardo ao aperceber-se da presença de Maria, que continuou:
‘Oh Dr. Bernardo, não tenha problemas comigo. Todos sabemos que aqui a Sra. D. Beatriz é muito dada a familiaridades, principalmente com rapazes que tem idade para serem filhos dela!’
Sem se conter, Beatriz prega uma bofetada em Maria com todas as forças que o estado de nervos lhe permitiu.
Maria leva a mão à cara, Bernardo fica sem respiração e Beatriz, segurando a mão com que bateu em Maria com a outra, diz:
‘Você estava a pedi-las há muito, mas agora começa a passar dos limites!’
Maria, ainda com a mão na cara, desata a rir às gargalhadas: ‘Estou a ver que neste tempo todo que estive em Londres não mudou nada! Sim senhora, continua a ter bom gosto. Aqui o Dr. Bernardo não é nada de se deitar fora! Mesmo com o Smoking do Dr. Abrantes…’, e continuando, ‘… há quanto tempo é que vocês andam? Ai, vai bater-me outra vez? Agora deste lado? Essa é por que idade, pelos dezasseis?’, continuou Maria ao ver Beatriz levantar novamente a mão, gesto que foi impedido por Bernardo que lhe segurou o braço.
‘Pois é Dr. Bernardo, ela tem mau feito. É muito violenta! Tem fama de ser um furacão noutras circunstâncias…’
O pensamento de Bernardo levou-o aquela primeira noite com Beatriz, em que ele se sentiu um verdadeiro homem. Havia sido uma noite de grande carga emocional da qual ele ainda se lembrava como se tivesse sido no dia anterior!’
Voltando ao presente, Bernardo continua:’… nós caímos à piscina. Chocamos um com o outro e caímos.!
‘Caíram à piscina?!’ Sinceramente, o que irão dizer as pessoas!’.
‘Sim, se eu amanhã estiver com uma bruta de uma pneumonia não em importância nenhuma…aliás a Sra. D. Beatriz nem vai dar conta, de tão ocupada que vai estar a ler as revistas da socialite e a telefonar às amigas a desculpar-se e a falar dos modelos das outras…’
‘Maria, de uma vez por todas, chega! Já viu o que o Dr. Bernardo vai pensar de nós, da nossa família? Que somos um bando de loucos e que não nos entendemos! ‘
‘E não é verdade?! E mais a mais, deixemo-nos de cinismos. Já deu para perceber, mesmo bêbada, que vocês se conhecem bem! Coitado do Dr. Abrantes, mais uma vez passado para trás… e pelo funcionário exemplar…’
‘Agora está a ofender-me a mim. Não fosse a senhorita estar alterada e eu não lhe permitia tais afirmações. Respeite o senhor seu pai, por quem tenho muita estima e a senhora sua mãe por quem também tenho uma grande estima!’- interceptou Bernardo, num tom mais solene do que o tido até ali. E continuando: ‘ Eu não admito que nem em pensamento, tenha essa ideia da minha pessoa. Tenho-me por uma pessoa idónea que tem vindo a conseguir as coisas fruto do seu suor! Eu sei que estou em sua casa, que a festa é sua, mas um homem tem o seu pudor!
‘Pudor, ah, ah. Ele tem pudor…’ E dizendo isto Maria afastou-se do parzinho que ficou lado a lado a vê-la aproximar-se de um grupo de jovens da idade dela.
Quando Maria estava bem longe, Bernardo, embalado pelo discurso em frente de Maria, continuou: ‘ Beatriz, você tem de ter mão na sua filha! É no mínimo desagradável! E agora, se me dá licença, vou-me embora. Tenho os pés gelados. Os sapatos estão todos molhados e começo a sentir frio.’
‘Mas Bernardo, temos de falar. ‘
‘Amanhã. Agora preciso de ir embora. ‘
E num passo apressado afastou-se na direcção da saída.
Quando entrou no carro respirou de alívio. Sentia-se em porto seguro. Pôs o carro a trabalhar em ponto morto e ligou o ar condicionado n máximo. Tinha os pés gelados e começava a ter arrepios de frio.
Recostou-se no banco, fechou os olhos e ficou assim um bom bocado até começar a sentir os pés a aquecer.
A imagem de Maria naquela vestido vermelho não lhe saía da cabeça. Nunca se tinha deslumbrado assim por uma mulher.
Quando já sentia os pés mais quentes arrancou rumo a casa. No caminho tocou o telemóvel. Era um número desconhecido. Não era hábito seu atender, mas sem saber bem porquê atendeu. Do outro lado, uma voz que já se ia tornando familiar:’ Apesar das circunstâncias, espero que tenhas gostado da tua futura esposa.’
Era Alfredo.
‘Futura esposa!? De que falas? ‘
‘Da Maria Vieira de Abrantes. ‘
‘Deve estar a brincar comigo. Não me chateie. Já tive que chegasse por hoje! Bruscamente desligou o telemóvel e atirou-o para o banco de trás do carro.
Com toda a força carregou no acelerador e continuou a toda a velocidade o caminho até casa.
Acordou no dia seguinte com a luz do dia a bater-lhe na cara. Estava deitado atravessado em cima da cama, ainda feita e tinha as calças e a camisa do smoking de António vestidos.
Demorou alguns segundos a perceber o que se passava. Aos poucos começou a lembrar-se de Alfredo na festa, da queda na piscina, de Maria, da zanga de Beatriz…
Olhou para o relógio. Tinha parado nas 11h30m, hora em que caiu à piscina. Procurou o telemóvel. Não o encontrou. Lembrou-se então do telefonema de Alfredo, já estava ele a caminho de casa e de no final ter atirado o telemóvel para o banco do carro.
Levantou-se e no caminho para a casa de banho foi tirando a roupa, que acabou de tirar enquanto punha a água a correr.
Maria não lhe saia do pensamento. Ele e ela dentro da piscina, eles na casa da piscina e Maria com aquele vestido vermelho.
Quando saiu do banho a campainha tocava insistentemente. Enrolou-se na toalha e enquanto se dirigia para a porta ia dizendo: ‘Já vai.’
Antes de abrir a porta espreitou pelo olho mágico. Era Mariana, a secretária. Intrigado, esquecendo-se que tinha apenas uma toalha enrolada à cinta abriu a porta.
‘Que fazes aqui!? Que se passa? ‘
‘Que se passa pergunto eu, pergunto eu Dr. Bernardo’, respondeu Sónia com um ar ainda preocupado. ‘ Estive toda a manhã a ligar-lhe e não me atende o telefone. São três horas da tarde e agora até o telefone está desligado!’, continuou.
‘Disseste três horas?!’
‘Sim, por isso é que vim aqui. O Dr. tem uma reunião às quatro horas com o advogado do caso do prédio da Rua Augusta…’
‘Arre! Vou chegar atrasado!’, resmungou enquanto batia com o punho cerrado na parede.
‘… Dr., eu tenho o processo ali no carro. O escritório do Dr. Serôdio fica a meia dúzia de quarteirões daqui. É só acabar de se arranjar e vai directo para lá… está tudo no carro.
‘Tens a certeza que trouxeste tudo? Perguntaste à Sónia se estava tudo direito?’
Mariana trabalhava há dois meses na Vieira de Abrantes. Tinha sido contratada para substituir Sónia que estava grávida e caso desse mostras de competência seria admitida como secretária de Bernardo.
‘Perguntei sim Dr. Bernardo. Está tudo direito! Não há dúvidas… nem era preciso perguntar. Os meus próprios olhos o confirmam…
E dizia isto com um ar malicioso enquanto olhava para Bernardo que entretanto deixara cair a toalha.
Bernardo quando se apercebe do estado em que está, cora e apressadamente apanha a toalha. Enrola novamente a toalha à cinta, puxa Mariana para dentro de casa e fecha a porta bruscamente.
‘Aguarde um bocado que eu vou-me vestir e já volto.
Enquanto se vestia espirrou mais umas poucas de vezes. De cada uma delas ouvia vinda da sala um 'santinha'. Estava ainda a vestir-se quando tocou a campaínha. Da sala Mariana: 'Eu abro'.
Ouviu-a falar com alguém e bater a porta. Enquanto arranjava o nó
da gravata foi caminhando até à sala.
'Quem era?'
'Era um estafeta e deixou este envelope para o doutor. Não tem remetente e diz '
Confidencial''
'Estranho...' balbuciou Bernardo...'Bom deixe ficar aí em cima da mesa.
Vamos lá a despachar que estamos em cima da hora...ora bolas, o relógio avariou...'
'Eu posso levar para consertar... se o doutor quiser.', ofereceu-se Mariana.
'Está bem, faça-me lá esse favor.'. Passou o relógio para a mão de Mariana e começou a vestir o casaco. Ainda com o casaco meio vestido bateu a porta enquanto Mariana já
esperava o elevador.
Ao entrar para o elevedor voltou a espirrar. Mais uma vez MAriana repetiu 'Santinha', mas desta vez com uma pontinha de malícia, seguido de ' Deve ter apanhado frio ontem à noite Dr. Bernardo... nesta época do ano as noites são frias...'
Bernardo olhou para ela, abriu a boca para falar, mas logo mudou de ideias. O elevador entretanto parara e a vizinha do segundo andar entarara.
Durante os dois andares que faltavam interrogava-se se MAriana dizia aquilo porque já todos sabiam do sucedido, ou se era mais uma das suas atitudes provocatórias iguais às tantas outras que vinha a lançar para cima dele desde que entrara para o escritório.
A reunião correu bem. O nervosismo de Bernardo rapidamente se transformou em calma, quando se apercebeu que Mariana tinha toda a documentação necessária.
'Pronto Dr., agora já confia mais em mim? Eu não lhe disse que estava tudo direito?!'
'Sim disse.' , repondeu Bernardo depois de mais um espirro. 'Acho que tenho de ir a uma farmácia comprar qualquer coisa para a constipação..', e continuando:'Depois de a deixar no escritório no regresso trato do assunto.'
'Eu tenho o meu carro à porta de sua casa Doutor. Não precisa de me levar ao escritório. Vamos fazer antes assim. O Doutor vai para casa e eu vou à farmácia...'
Bernardo começava a sentir-se sem forças. A febre começava a subir e ele fazia parte daquele grupo de pessoas que quando tem febre mal se aguentam de pé. Resolveu aceitar.
'Está bem. Vá então à farmácia e traga-me qualquer coisa que baixe a febre e me trate da garganta.'
E assim foi. Bernardo foi para casa e Mariana à farmácia. Quando estava a estacionar ouviu um beep vindo do banco de trás do carro. Era o telemóvel. Acabava de se desligar por falta de carga na bateria. Pegou nele, meteu-o ao bolso e meteu-se no elevador.
Resolveu tomar um banho antes de se deitar e quando estava a sair, a campaínha tocou.
Enrolou a toalha na cinta e foi abrir a porta, enquanto pensava:' Foi depressa à farmácia... não conheço nenhuma aqui perto...'
Abriu a porta e outro lado estava uma figura feminina, que não Mariana que lhe disse: 'Finalmente... pensei que tinha desaparecido...'